Decorreu no dia 4 de outubro, 9.30-13.00, na Sala Keynes da FEUC, o workshop “Empresas sociais: conceitos, contextos e investigação”, coorganizado pelo Projeto TIMES e pelo CECES – Centro de Estudos Cooperativos e da Economia Social.
Este workshop visou discutir abordagens ao conceito de empresa social a partir de experiências investigação nacionais e internacionais, evolvendo investigadores e investigadoras que têm trabalhado o conceito de empresa social ou conceitos próximos como os de economia social, economia solidária, empreendedorismo social e inovação social.
O workshop começou com uma apresentação de Sílvia Ferreira (TIMES/CES) sobre os objetivos do workshop e dos/as participantes. Sublinhou a relevância que o conceito de empresa social assume neste momento, em particular por efeito das políticas europeias como a Social Business Innitiative, e os Fundos Estruturais Europeus no Portugal2020.
Seguiram-se duas palestras sobre empresas sociais, em Portugal e na Dinamarca e Europa.
Rui Namorado, coordenador do CECES, e investigador e especialista sobre cooperativismo e economia social reportou-se aos principais debates em torno do conceito em Portugal, com referência para os que se sucederam aquando da elaboração da Lei de Bases da Economia Social.
Rui Namorado referiu que a agenda das empresas sociais é imposta sobre Portugal pela Comissão Europeia, e pode ter como efeito Impedir a afirmação da economia social enquanto área autónoma. Deste modo, a agenda da empresa social tem como consequência a captura de fundos que deviam ser usados pelas OES, estando tal expresso no quadro da contratação pública.
Trata-se, como refere, da adequação a determinadas jurídicas que não são as do caso português. Daí a necessidade de reconhecimento da autonomia de cada Estado nesta matéria.
Refere que a economia social é um sector constitucional (o sector cooperativo e social), concebido, protegido e consagrado como diferente do sector público e privado. Essas são as empresas sociais, as empresas da economia social.
Afirma que não faz sentido a inclusão das empresas lucrativas nas empresas sociais e a exclusão de formas da economia social. Se os empreendedores sociais querem criar iniciativas a forma societária não é a mais adequada. Além disso, como as empresas sociais são subalternas no contexto capitalista elas não se devem separar da economia social para não ficarem desprotegidas.
Rui Namorado reconhece que é necessário fazer alterações na Lei de Bases da Economia Social para abranger realidades que possa ter excluído, realidades sociais novas a necessitar de novas formas jurídicas. Ademais, não é claro na legislação portuguesa o que são empresas: são um sujeito? Um objeto? Uma atividade?
Lars Hulgård, professor da Universidade de Roskilde (Dinamarca) e especialista em empresas sociais, falou das políticas de apoio às empresas sociais na Dinamarca, bem como sobre o conceito europeu de empresas sociais, quer no âmbito da abordagem da Rede Internacional de Investigação EMES, quer no âmbito da Comissão Europeia.
Hulgard fez uma revisão do aparecimento do conceito de empresa social e ao modo como se foi institucionalizando, ao longo de 20 anos. Entre 1991 e 1996 existiam apenas 6 publicações com o conceito de empreendedorismo social, hoje há uma forte institucionalização quer na investigação quer na política. Refere, todavia, que este conceito, como outros, estão ainda a ser trabalhados pelos investigadores e que podem ter o mesmo futuro que outros conceitos que foram populares, ou seja, desaparecer da agenda. Ficarão as organizações, como refere.
Apresentou, seguidamente a abordagem de empresa social da rede EMES, da qual foi co-fundador, assinalando as dimensões económica, social e da governação. Nota que existe uma convergência em relação à abordagens de empresas sociais da Comissão Europeia, nomeadamente no que se refere à definição operacional. Ao adotar esta definição a CE é pioneira em abrir o campo para empresas que são geridas de forma democrática e transparente.
Reportando-se ao caso da Dinamarca, Hulgard referiu-se a um conjunto de medidas como a lei sobre empresas sociais, em 2014, um conselho nacional das empresas sociais, Growth Centre of Social Enterprise e uma marca registada para as empresas sociais. Todavia, com um novo governo de direita em 2015, todas as iniciativas de construir um ecossistema para as empresas sociais foram terminadas e o centro de apoio foi encerrado por falta de financiamento.
O investigador termina refletindo que as empresas sociais são a parte mais fraca, ao lado das empresas lucrativas, sendo necessário considerar a necessidade de um real poder institucional.
Seguiu-se a apresentação de quatro projetos de investigação em curso no Centro de Estudos Sociais. Cada um destes projetos trabalha a partir de conceitos diferentes, mas convergentes, e reportando-se a realidades empíricas próximas: empresa social, economia solidária, inovação social e movimentos sociais.
Joana Almeida, investigadora do CES, apresentou o projeto TIMES – Trajetórias Institucionais e Modelos de Empresa Social em Portugal, coord. Silvia Ferreira, financiado pelo FEDER, COMPETE/FCT.
Beatriz Caitana, investigadora do CES e doutoranda da FEUC, apresentou o projeto URBINAT – Healthy corridors as drivers of social housing neighbourhoods for the cocreation of social, environmental and marketable NBS, coord. Gonçalo Canto Moniz, e financiado pela Comissão Europeia.
Fábio Sampaio, bolseiro do CES e doutorando da FEUC apresentou o projeto Atlântic Social Lab – Cooperação Atlântica para a promoção da inovação social, coord. Hugo Pinto, financiado pela UE – INTERREG Espaço Atlântico (INTERREG Espaço Atlântico)
Michela Giovannini, investigadora pós-doc do CES, apresentou o projeto AGORA – Alternative Grassroots Organizations as a Response to Austerity: perspectives from Southern Europe, Comissão Europeia (Marie Sklodowska-Curie individual Fellowships European)
O workshop encerrou com uma ronda de debate pelos/as participantes convidados, na sua maioria investigadores/as do CES e do CECES.
Monica Lopes, investigadora do CES, especialista em avaliação das organizações do terceiro sector, reportou-se à importância crescente que a avaliação de impacto tem para a inovação social e para as empresas sociais, para referir que a avaliação é processo socialmente construído e não um instrumento neutro. Como tal, as diferentes concepções em torno do conceito de empresa social e outros conceitos tem impacto o modo como a avaliação é concebida e nos próprios critérios de financiamento. Refere que a partir do momento em que entram novos atores e lógicas de financiamento, nomeadamente a lógica do value-for-money, isso terá impacto na identidade do terceiro sector e nas suas características.
Andres Sponardi, investigador do CES e pós-doc, especialista em cooperativismo e na América Latina, tem vindo a estudar as empresas industriais autogeridas pelos trabalhadores em Espanha e em Portugal, nomeadamente as cooperativas em Portugal e as cooperativas de trabalho e sociedades laborais em Espanha. Todas podem ser consideradas empresas sociais.
Refere que as sociedades laborais são diferentes das cooperativas, na medida em que são constituídas em 50% por trabalhadores e 50% por investidores capitalistas, sendo as lógicas internas das sociedades laborais muito diferentes das cooperativas.
Questiona até que ponto o conceito de empresa social nos ajuda realmente a perceber melhor a realidade, e se não pertence apenas ao fenómeno de inflação de conceitos dos últimos anos, incluindo a economia circular, a economia cívica, a economia colaborativa, etc.
Elisabete Ramos, investigadora do CECES/FEUC, especialista em direito societário e cooperativas, refere a pluralidade de significados de empresa social presente nas instituições da EU, e que não se verifica qualquer ato destinado a harmonização ou uniformização das empresas sociais. Existem muitos relatórios e documentos de estudo, muita soft law, mas não documentos vinculativos onde exista uma caracterização de empresas sociais. Isso significa que os Estados membros mantêm a liberdade para legislar sobre empresas sociais.
Ao nível dos Estados membros verifica-se uma grande diversidade legislativa, com alguns países que já avançaram com normas e leis sobre ES e outros não. Esta diversidade está também presente na diversidade de formas jurídicas especificas, mas o mais interessante é a hibridez dessas formas. Muitas dessas formas partem das sociedades.
Elisabete Ramos considera que este é um fenómeno para ficar.
Em Portugal temos uma Lei de Bases da Economia Social, mas não temos uma forma jurídica para a empresa social. Na alínea h) da Lei de Bases estão todas as contradições e tendências de que falámos, e daí não estar ainda clarificado o que contem. Todavia, ela pode acolher essas empresas sociais, quando estas forem definidas legalmente.
Patrícia Moura e Sá, investigadora do CECES/FEUC, e especialista em qualidade, enfatizou o contributo da qualidade para uma gestão responsável, transparente e inovadora que envolva as partes interessadas.
Refere ainda que os modelos da qualidade contribuem para criar confiança nas organizações, na medida em que permite acreditar que o que é feito obedece a um determinado tipo de regras. Além disso, os modelos de qualidade contribuem para a avaliação pois ajudam a medir resultados.
Tendo em conta que nem todos os referenciais de qualidade são adequados às empresas sociais, aponta para a importância de uma avaliação centrada na missão que permita definir indicadores que permitam verificar se a organização está de facto a fazer o que diz na missão.
Eber Quinonez, doutorando da FEUC e membro do ECOSOL/CES, traz a visão da economia solidária e, sobretudo, dos circuitos curtos, que são o foco do seu trabalho de investigação. Defende que há uma ênfase muito grande nas iniciativas que são desenvolvidas em meio urbano e menos atenção às iniciativas do mundo rural. Defende também um diálogo entre as iniciativas urbanas e rurais em tornos de temas como a alimentação.
Margarida Antunes, investigadora do CECES/FEUC e especialista em economia do emprego é critica das abordagem políticas ao emprego/desemprego em que o emprego não é concebido como problema macroeconómico mas como problema do foro individual.
Os governos desresponsabilizam-se pela criação de emprego e atribuem a outras entidades essa responsabilidade. O discurso inclui a ideia de que a governação local, as organizações do terceiro sector ou aas autarquias são o melhor caminho para resolver este problema que, na realidade, é macroeconómico.
Na base teórica está uma conceção neoclássica em que o salário é visto como uma relação de mercado, o trabalho uma mercadoria e custo de produção. As organizações da área social, incluindo as empresas sociais, acabam por ser coniventes com estas conceções de emprego/desemprego.
O workshop terminou com intervenção de outros participantes que assinalaram, por exemplo, algumas questões atuais sobre as Instituições de Solidariedade Social, como a sua relação com o Estado, o deficitário papel fiscalizador deste, e as condições de trabalho nestas instituições. fez-se também alusão à ideia da dependência financeira das organizações da economia social quando comparadas, por exemplo, com a banca durante a crise. Ficou a ideia, enunciada por Rui Namorado, de que nas empresas sociais ou da economia social está o futuro possível do planeta.